A Folha de S.Paulo revelou que a Polícia Federal tem adotado uma nova estratégia para lidar com os inquéritos relacionados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), concentrando essas investigações na Diretoria de Inteligência Policial (DIP).
Essa mudança tem causado desconforto dentro da corporação e foi criticada por delegados ouvidos sob condição de anonimato.
Tradicionalmente, a DIP é responsável por definir a política de inteligência, conduzir ações de contrainteligência e investigar casos de terrorismo.
No entanto, desde 2022, a diretoria tem lidado com inquéritos de alta sensibilidade política e jurídica, como as investigações sobre as milícias digitais, planos golpistas, fraudes no cartão de vacinação de Bolsonaro e aliados, e uso ilegal de sistemas de monitoramento por membros da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Além disso, a DIP também assumiu a investigação sobre a hostilidade contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em um aeroporto na Itália.
A Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores (CINQ), setor específico da Polícia Federal para conduzir investigações que tramitam no STF, tem sido esvaziada. Atualmente, essa coordenação concentra seus esforços principalmente na Operação Lesa Pátria, focada nos organizadores e financiadores dos ataques de 8 de janeiro de 2023, e em inquéritos sobre desvios em obras financiadas com emendas parlamentares.
Delegados consultados pela Folha afirmam que a centralização de casos na DIP desvirtua sua missão principal e causa desajustes internos, diminuindo a relevância do departamento responsável pelas investigações nos tribunais superiores. A proximidade da DIP com a direção-geral da Polícia Federal, comandada pelo delegado Andrei Rodrigues, também levanta questões sobre a independência das investigações.
Rodrigo Morais, chefe da DIP e amigo pessoal de Rodrigues, ganhou notoriedade por sua atuação na investigação do atentado a faca contra Bolsonaro em 2018. Essa conexão pessoal entre os chefes da DIP e da direção-geral da PF intensifica as críticas sobre a gestão dos inquéritos sensíveis.
Em resposta às críticas, a Polícia Federal afirmou que a mudança ocorreu com base no entendimento de que normas internas permitem que “casos sensíveis pudessem tramitar na Diretoria de Inteligência Policial”. A PF ressaltou que essa prática foi intensificada após uma reestruturação na diretoria no início de 2023, que resultou no crescimento e fortalecimento da DIP.
A experiência da DIP em inteligência e seu acesso a equipamentos especializados foram cruciais para desbloquear dados no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. As investigações revelaram a possível fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro e aliados, levando à prisão e delação de Cid.
Por outro lado, a gestão dos inquéritos na DIP não esteve isenta de controvérsias. No caso da hostilização a Moraes, o delegado Hiroshi Sakaki Araújo foi substituído após incluir em relatório um diálogo entre um suspeito e seu advogado, causando indignação na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
As primeiras investigações sobre Bolsonaro chegaram à DIP em 2022, quando a delegada Denisse Ribeiro, responsável pelo inquérito das milícias digitais, entrou em licença-maternidade.